terça-feira, 30 de abril de 2013

Rush: Bodas de Zinco

Uma quebra de protocolo no Fazenda Submarina!
Hoje posto aqui um texto puramente autobiográfico e pessoal: minhas bodas de Zinco com o Rush.
Não deve ser um espanto para ninguém meu amor por essa banda e já estou há alguns meses planejando escrever esse "artigo" e aqui está o resultado. Espero que apreciem e peço desculpas pela falta de atualizações no blog nas últimas semanas!



2013: minhas bodas de zinco com o Rush

2013 marca dez anos desde que me tornei um fã incondicional do Rush. Às vezes não me cai a ficha que já se passou tanto tempo desde a primeira vez que ouvi o som do maior power trio do planeta. Foram dez anos que se constituíram em grande parte de bons momentos (e alguns apoteóticos!), durante os quais influenciei amigos, familiares, conhecidos e colegas a darem uma chance para a música e a arte dessa incrível banda. Consegui com sucesso, inclusive, converter alguns amigos a verdadeiros fãs dos caras e isso é algo de que me orgulho muito.

Alex Lifeson, Neil Peart e Geddy Lee na cerimônia do Rock and Roll Hall of Fame em abril de 2013

O Rush me foi apresentado pelo meu irmão mais velho que, com paciência e entusiasmo me mostrou alguns dos sucessos da banda aos quais eu reagia negativamente. Na época eu tinha por volta de 11, 12 anos de idade e me lembro de fazer graça da voz do Geddy Lee por ser muito aguda e heterodoxa. Estava aos poucos me interessando pelo classic rock e gravava CDs de coletâneas com músicas do Led Zeppelin, Deep Purple, Black Sabbath, Guns’n’Roses e até Red Hot Chilli Peppers. Meu primeiro amor no rock’n’roll, no entanto, foi com os Ramones, uma fixação que me levava a ouvir as músicas repetidamente todos os dias, fui até a Galeria do Rock comprar um pôster dos caras e uma penca de camisetas, adesivos, patches etc. E assim permaneceu intacta minha devoção ao punk simplista e enérgico dos Ramones até eu conhecer o Rock Progressivo. Foi como se um interruptor se ligasse dentro de mim e eu pudesse ver que a música, por mais bacana que fosse do jeito tosco dos Ramones, podia me levar a lugares que nunca tinha ido antes através dos arranjos magistrais e complexos de bandas como Emerson, Lake & Palmer, Yes, King Crimson e Pink Floyd. Talvez tenha sido aí que uma válvula em minha alma tenha permitido com que eu escutasse as músicas do Rush com a mente mais aberta. E, a partir daí, não teve jeito. As primeiras memórias que tenho são de tardes e noites em claro escutando Limelight, Red Sector A, Tom Sawyer e Time Stand Still incessantemente, enquanto mexia no computador. Quando começaram a aparecer MP3 players no mercado a preços acessíveis, comprei um no extinto Stand Center e carregava seus “impressionantes” 128 MB de memória com músicas do Rush, apenas. Lembro muito vividamente de escutar Red Barchetta pela manhã a caminho da escola dentro da van, assistindo o sol de levantar preguiçosamente no horizonte cinza-ocre de São Paulo. Aquilo me enchia de uma alegria inexplicável. O ano era 2003 e algo em minha cabeça não me deixava conseguir dormir: o Rush tinha vindo menos de um ano antes ao Brasil para sua primeira turnê aqui em quase 30 anos de banda, fazendo três shows monstruosos e memoráveis no país. Eu havia perdido uma chance incrível de assistir meus (agora) novos ídolos. Lugar certo, hora errada. Bem, para minha sorte, o DVD Rush In Rio sanou quase toda minha curiosidade e ansiedade ao documentar o show dos caras no Rio de Janeiro, com 40.000 fãs ensandecidos cantando a plenos pulmões nota por nota. A partir desse dia, cada aniversário que eu fazia, ao soprar as velinhas, confesso que fechava os olhos e pedia para a banda voltar para o Brasil pelo menos mais uma vez. Eu esperei sete anos por isso.

Show do Rush no Estádio do Morumbi (08/10/2010)


Muitas vezes eu me pego pensando que nasci na época errada e imagino como seria se eu fosse de outra geração e tivesse tido a oportunidade de acompanhar a carreira do Rush. Bem, eu sou muito jovem para me lembrar do tema da série do MacGyver na TV Globo e mais jovem ainda para me lembrar do estouro que foi o Moving Pictures. No entanto, hoje posso dizer que tenho sorte de estar vivendo um dos melhores momentos que um fã do Rush pode viver. O anos de 2010 me trouxe meus 19 anos de idade e a melhor notícia da minha vida: o Rush voltaria ao Brasil em outubro com sua turnê Time Machine tocando o Moving Pictures na íntegra. Desnecessário dizer, paguei o quanto foi preciso pelo melhor setor disponível e me queimei durante dez horas no sol na fila no Morumbi para pegar um lugar na grade bem na frente do Alex Lifeson. Foi o dia mais feliz da minha vida. O ano de 2011 me deixou mais velho, mas mais feliz ainda pelo lançamento do documentário Beyond The Lighted Stage, com projeção nos cinemas de São Paulo. O filme trouxe uma maior notoriedade à banda e me sentia cada vez mais orgulhoso de fazer parte dessa história. Como se não bastasse, a banda anunciou que trabalhava em seu 20º disco de estúdio, um de seus projetos mais audaciosos. E 2012 trouxe a cereja do bolo: Clockwork Angels foi lançado e tive a maravilhosa oportunidade de assistir a dois shows de sua turnê nos Estados Unidos, uma sensação indescritível e única. Passou rápido demais. E, quando pisco os olhos, já é 2013 e o Rush é finalmente contemplado no Rock and Roll Hall of Fame após ser esnobado por mais de uma década. A mídia e os “experts” do rock parecem ter se curvado diante da legitimidade do trabalho da banda e do fervor de seus fãs. Um feito que parece bobo e meramente festivo, mas significa uma vitória daqueles que nunca deixaram frivolidades ou decepções cobrirem seu verdadeiro amor ao trabalho sincero do power trio canadense. Diante desse cenário, não posso reclamar de não ter nascido em meados dos anos 1960. Tenho a bênção de ter nascido nos anos 1990 e poder me deleitar com décadas de boa música do Rush com o bônus de ver seu esforço finalmente reconhecido pelo mainstream. É uma ótima sensação.

Gostar de Rush virou cool. Quem diria?


Foram dez anos turbulentos nos quais expandi meu gosto musical enormemente. Aprendi a gostar de um pouquinho de tudo, me tornei mais especializado, mais culto e mais tolerante. Aprendi a tocar teclado, violão, guitarra, tive outras paixões musicais, fiquei tempos sem escutar o Rush, mas nunca deixei de sentir o que senti pela primeira vez em 2003. É um nível de identificação que sinto que levarei para o resto da vida, como vejo em casos de muitos fãs mais velhos do que eu. É um respeito e admiração somados a um orgulho e uma vontade ser melhor e se superar, sempre se espelhando nos meus mestres. É muito mais do que apenas canções de rock, são letras e poesia, filosofia, questionamento, admiração da vida, crítica à sociedade, valorização dos sonhos, da individualidade, da crença no futuro e do estudo do passado. O Rush é um conjunto de seres humanos que me abriram as portas para pensar mais criticamente, sentir mais fundo com a alma e exercitar uma espécie de fanatismo saudável. São três pessoas que provavelmente não sabem de minha existência, mas que provavelmente sabem que a abalaram. O Rush é minha banda favorita há uma década já e permanecem como meu modelo de vida, íntegros, gentis e trabalhadores. Tenho muito a agradecer e comemorar nessas bodas de zinco. E que venham mais dez anos!

Rush nos anos 1970


Rush nos anos 1980



Rush na Time Machine Tour




Brought to you by the letter "F"


Aquele abraço,
Fazendeiro submarino

quarta-feira, 27 de março de 2013

Caravan - In The Land of Grey and Pink



















Título: In The Land of Grey and Pink
Artista: Caravan
Ano de lançamento: 1971
Gênero: Rock progressivo / Canterbury scene
Duração: 43:23


Tracklist:

1. Golf Girl (5:05)
2. Winter Wine (7:46)
3. Love To Love You (And Tonight Pigs Will Fly) (3:06)
4. In The Land Of Grey And Pink (4:51)
5. Nine Feet Underground (22:43)


O Caravan é uma das minhas bandas preferidas de todos os tempos e o principal culpado disso é esse disco sobre o qual escrevo hoje. In The Land of Grey and Pink pirou totalmente minha cabeça e me apresentou em alto estilo ao subgênero do rock progressivo conhecido como Canterbury Scene. As bandas desse gênero da música têm em comum o fato de que se originaram na região do extremo sudeste da Inglaterra, mais especificamente na cidade de Canterbury, no final dos anos 1960 e começo dos anos 1970. Exemplos notórios, além do Caravan: Khan, Hatfield and the North, Soft Machine, Egg, Gong.
As bandas da cena de Canterbury eram notórias por fundir o jazz com o rock psicodélico e incluir elementos da música folk. O instrumento de destaque era o teclado e os temas tratados nas canções eram frequentemente cômicos ou irônicos, um espírito que invocava os históricos Canterbury Tales de Geoffrey Chaucer. Um ponto atrativo de muitas dessas bandas e que ficou mais notório com Richard Sinclair do Caravan era o fato deste cantar as letras das canções com o sotaque britânico bastante visível, fato pouco encontrado na maioria das bandas britânicas mais famosas.
In The Land of Grey and Pink é o terceiro álbum de estúdio do Caravan. A banda a essa altura já era bastante conhecida ao longo da Inglaterra, França, Alemanha e Holanda e o disco antecessor, If I Could Do It All Over Again, I'd Do It All Over You havia sido muito bem recebido. O som do Caravan pode ser melhor descrito por mim como altamente agradável aos ouvidos. A combinação da voz grave e paterna de Richard Sinclair com os ritmos enérgicos e groovados da bateria de Richard Coughlan, mais as maravilhosas linhas de baixo e, por fim os solos de teclado do mestre David Sinclair formam o som bastante característico da banda. Existe a qualidade pastoral das músicas folk europeias, com flautas transversais, ao mesmo tempo há o forte elemento do jazz com ocasionais solos de saxofone e a atmosfera ganha um ar bastante psicodélico com os enormes solos de teclado. O Caravan se utiliza de uma estrutura própria, uma base de acordes quase que padrão sobre a qual os instrumentos solam livremente, dando às músicas uma duração prolongada.

No primeiro lado do disco, temos a abertura com a inocente Golf Girl. Uma frase de saxofone já no início mostra o tom idílico dessa bela canção. Uma letra um tanto nonsense discorre sobre uma garota vendendo xícaras de chá em um campo de golfe. O ritmo da música é muito gostoso de se ouvir, não exigindo nenhum esforço da mente do ouvinte.

Logo depois, temos a bela e bucólica Winter Wine, uma canção mais puxada para o folk, com maior presença do violão acústico até que entra uma hipnótica e groovada linha de baixo dando suporte a muitos solos de teclado. A canção quebra o clima quando se aproxima do meio de sua duração, até voltar ao seu habitual verso, lindamente cantado por Richard Sinclair. Uma ótima canção.

Love To Love You (And Tonight Pigs Will Fly) é uma tola canção de amor. E não é por isso que ela não deva ser sensacional. Temos uma bela e grudenta progressão de acordes tocada pela guitarra e piano sobre a qual a aguda voz de Pye Hastings canta bobas declarações de amor. Temos cowbell ao longo da música! (yeah!) Um delicioso solo de flauta transversal completa essa pequena peça de música que talvez não agrade ao ouvinte que procura uma grande obra prima de rock progressivo, mas que apela para a sensibilidade de qualquer um que saiba não se levar tanto a sério.

In The Land of Grey and Pink, a música-título, fecha a primeira metade do disco novamente com um toque folk, em cima de uma batida repetitiva e quebrada que se torna a marca registrada da canção. A letra aqui é uma atração à parte, sobre viagens fantásticas, terras psicodélicas e coloridas, muitas ervas a serem fumadas, enfim, um banquete a qualquer dedicado fã das obras de Tolkien. O piano e o violão são maravilhosos ao longo de toda a canção, tornando-a uma ótima experiência de audição.

A grande estrela e foco de toda atenção do álbum, no entanto, está no segundo lado do disco, e é a única canção dele (é bom lembrar que estou tratando em termos de LPs, onde cada lado do disco tinha um limite de duração), com impressionantes 22:43 de duração. Nine Feet Underground é, sem dúvida alguma, a obra-prima do Caravan e com a qual os fãs de rock progressivo certamente se dão muito bem. Um riff um tanto que misterioso de teclado dá início a essa enorme canção e se mantém por mais de 5 minutos. As primeiras palavras entoadas só aparecem depois do sexto minuto, sobre uma base bastante groovada, com uma de minhas linhas de baixo preferidas de todo o disco. Como toda boa música com mais de 20 minutos, temos também o momento de mais calma, sem percussão, que lentamente cresce até chegar nos sensacionais últimos 3 minutos da música com um riff de guitarra absurdamente contagiante, imitado pelo baixo e pelo teclado. Uma última jam furiosa liderada pelo teclado encerra essa longa viagem que mais parece ter sido apenas um passeio bastante agradável.

E é por isso que convido a todos a darem um passeio pela Terra do Cinza e Rosa e ouvir as belas atmosferas, letras e solos que o Caravan proporciona em um som que parece nunca ficar velho e nunca enjoar. Esse disco traz tudo do melhor da música inglesa, as belas melodias, a melancolia charmosa, o humor irônico e ácido e, lógico, a grande habilidade dos músicos da banda. Aos entusiastas do teclado, creio que David Sinclair talvez entre em suas listas de melhores tecladistas, porque na minha lista ele já tem lugar garantido já há um bom tempo.

Boa escutada e boa viagem!


Aquele abraço,
Fazendeiro submarino

segunda-feira, 18 de março de 2013

Rush - Vapor Trails



















Título: Vapor Trails
Artista: Rush
Ano de lançamento: 2002
Gênero: Rock progressivo / Hard Rock
Duração: 67:15


Tracklist:


1. One Little Victory (5:08)
2. Ceiling Unlimited (5:28)
3. Ghost Rider (5:41)
4. Peaceable Kingdom (5:23)
5. The Stars Look Down (4:28)
6. How It Is (4:05)
7. Vapor Trail (4:57)
8. Secret Touch (6:34)
9. Earthshine (5:38)
10. Sweet Miracle (3:40)
11. Nocturne (4:49)
12. Freeze (Part IV of "Fear") (6:21)
13. Out Of The Cradle (5:03)



Vapor Trails, ou o disco que magistralmente transformou angústia em arte


Lá por 2002, os fãs do Rush já estavam se considerando viúvos. O jejum da banda estava em seu quinto ano e parecia não mais acabar. Foi aí que o trio canadense entregou ao mundo uma de suas obras mais belas.
Em 1997, duas calamidades acometeram a vida do baterista virtuose e letrista Neil Peart. Com o falecimento de sua única filha (vítima de um acidente de carro) e, subsequentemente de sua esposa (vítima de câncer), Peart viu sua vida inteira desabar. Entrou então em modo sabático e fugiu pelo mundo em sua motocicleta. O Rush, neste momento, deixou de existir e nada mais se falou sobre a banda.
Foi então com a alegria de uma criança que descobre que seus pais moribundos haviam sido completamente curados que os fãs do Rush receberam Vapor Trails, em maio de 2002. A banda apresentou seu mais longo disco então, com 13 faixas estonteantes. Cada faixa foi visivelmente super trabalhada e há detalhes que só se descobrem na centésima ouvida. Dentro da discografia do Rush pode-se dizer que Vapor Trails possui as letras mais pessoais que Neil Peart já escreveu. E são justamente elas que conferem a este trabalho muita vezes subestimado seu status de obra prima. Como se trata de Rush, menosprezar a parte instrumental é obviamente um sacrilégio, logo esta tem tanta importância quanto as letras que as acompanham.

Vê-se aqui o Rush em seus extremos, num ambiente cuidadosamente controlado. A bateria de Peart esbanja uma energia e paixão sem precedentes na história da banda. Alex Lifeson recheia o disco com dezenas de overdubs de guitarra que dão às músicas um peso impressionante e uma orquestração indispensável. Por fim, Geddy Lee apresenta um alcance vocal admirável e seu status de baixista mítico o procede: as linhas de baixo pontuam as canções com acordes melódicos, grooves e muito peso.
Se o ouvinte deseja esclarecer a algum(a) amigo(a) cético(a) a merecida reputação de Neil Peart como um dos melhores bateristas de todos os tempos, basta colocar para tocar a primeira faixa de Vapor Trails, One Little Victory: um ritmo furioso, rápido e complexo invade imediatamente seus ouvidos e já se percebe que o velho Peart não está para brincadeira. Um riff de guitarra pesadíssimo leva a canção adiante e o verso traz um ritmo cheio de groove e o refrão explode: "The greatest act can be one little victory".

O sentimento de superação e renovação está presente em todo o disco. É impossível aproveitar tudo o que este trabalho tem a oferecer sem ter em mente o background histórico de sua criação. É necessário fazer um exercício metafórico com o conceito da fênix: o Rush é aqui uma banda que renasce das cinzas. Não é mera coincidência o título do álbum explicitar "trilhas de vapor" e a capa ser uma enorme bola de fogo. É um atestado de que a banda havia de fato renascido em uma explosão de fogo e a intenção era não ser parada facilmente.

Outro fato interessante é o papel que as cartas do Tarô possuem no álbum. Dentro do encarte, cada música está associada com uma carta do baralho esotérico. Peart é conhecido por seu ceticismo, mas a combinação do simbolismo das cartas com as letras apresenta um resultado maravilhoso. Em Peaceable Kingdom, Peart contrapõe umas cartas com as outras: "The Hermit against The Lovers or The Devil against the Fool".

Os temas aqui são explicitamente humanos, uma espécie de auto-ajuda sem qualquer das características pejorativas que esse gênero carrega. Em Ceiling Unlimited se trata da sensação de insaciedade, de ir constantemente atrás de algo melhor, de ser melhor, de não ver limites. Ghost Rider apresenta um conto autobiográfico de Peart, sendo ele o "motoqueiro fantasma", cruzando milhas e milhas na América do Norte fugindo de um passado negro, em direção a um futuro negro. The Stars Look Down alerta para a morosidade que nos toma quando questionamos aos céus a nossa triste condição. Afinal, as estrelas apenas olham para baixo e não interferem e cabe a nós mesmos lidarmos com nossos problemas. How It Is, uma das mais belas músicas que já ouvi, aborda o senso de possibilidade que existe mesmo nos dias mais cinzentos. Uma espécie de conformismo melancólico faz dessa canção de cortar o coração um dos pontos altos do disco: "You can't tell yourself not to care, you can't tell yourself how to feel, that's how it is. Another cloudy day.". Vapor Trail é uma poderosíssima canção sobre como às vezes somos levantados do chão por eventos catastróficos em nossas vidas e nossa constante luta em não desaparecer dentre essas dificuldades. Secret Touch traz a importância do amor no processo de cura. A melhor descrição da música é seu refrão: "You can never break the chain, there is never love without pain. A gentle hand, a secret touch on the heart".

A segunda metade do disco aborda temas como um fenômeno natural conhecido como Earthshine (Earthshine), milagres (Sweet Miracle), sonhos e seu poder de controle do subconsciente (Nocturne), os efeitos do medo em nós (Freeze) e o senso de inquietação do ser humano desde seu nascimento (Out of the Cradle).

Em suma, Vapor Trails é tudo aquilo que mais aprecio em uma obra de arte: inquietante, belo, direto, extravasante, sincero. A única reclamação válida aqui é a má produção sonora do disco, com uma masterização muito deficiente, deixando todos os canais muito altos e estourados, às vezes criando tamanha confusão sonora que pode causar certa dor de cabeça. Mas o ouvinte preparado e disposto a dar algumas ouvidas nesse belo disco não se arrependerá nem um pouco. Porque aqui está a alquimia sagrada do Trio Canadense transformando angústia em arte. E, nas últimas palavras de Out of The Cradle, o Rush deixa de forma muito simples seu legado e sua missão nesse mundo: ENDLESSLY ROCKING.



Aquele abraço,
Fazendeiro submarino

sábado, 9 de março de 2013

The Beach Boys - Pet Sounds



















Título: Pet Sounds
Artista: The Beach Boys
Ano de lançamento: 1966
Gênero: Rock psicodélico / Pop rock / Pop barroco
Duração: 35:57



Tracklist:


1. Wouldn't It Be Nice (2:25)
2. You Still Believe In Me (2:31)
3. That's Not Me (2:28)
4. Don't Talk (Put Your Head On My Shoulder) (2:53)
5. I'm Waiting For The Day (3:05)
6. Let's Go Away For A While (2:18)
7. Sloop John B (2:58)
8. God Only Knows (2:51)
9. I Know There's An Answer (3:09)
10. Here Today (2:54)
11. I Just Wasn't Made For These Times (3:12)
12. Pet Sounds (2:22)
13. Caroline, No (2:51)


Era apenas uma questão de tempo até eu postar uma resenha desse clássico absoluto dos Beach Boys. Eu estou lidando aqui simplesmente com minha primeiríssima escolha para um disco de ilha deserta, o único em meu Top 5 a nunca perder o seu posto, e isso não é dizer pouco. E não estou sozinho na admiração febril dessa obra de arte, Pet Sounds é considerado dentre todos os apreciadores de música pop como uma pedra angular desse gênero no século XX. O álbum figura em inúmeras listas de publicações especializadas como sendo um dos melhores discos de todos os tempos e ele permanece até hoje como um clássico da música dos Estados Unidos.
Dizer tudo isso dos Beach Boys é simplesmente fazer jus ao seu incrível legado: formado em 1961 e ainda na ativa nos dias de hoje, o grupo escreveu parte da história da música ocidental ao lado dos Beatles. Mencionando os garotos de Liverpool, é uma ideia bem difundida de que essas duas bandas formaram uma das "rivalidades" mais produtivas e criativas da música popular desde a década de 1960. Enquanto o fab four construía seu legado tocando covers de rock'n'roll pela Inglaterra e Alemanha, os "garotos da praia" começavam a pegar seus instrumentos para celebrar o espírito do doo wop dos anos 1950 aliado ao fresco som do rock'n'roll que mobilizava muitos dos jovens. Na Califórnia, desenvolveu-se então a surf music, a cultura da praia, dos carros envenenados, do individualismo e da rebeldia. Enquanto isso, na Inglaterra, os Beatles passaram a experimentar imensamente com a música e trazer o misticismo da música indiana para o cenário pop a partir de Rubber Soul (1965). Brian Wilson e sua trupe então pegaram o exemplo e decidiram sair do ordinário e transformar a música pop em algo grandioso, com um valor artístico digno das grandes obras da música erudita dos séculos passados. Pet Sounds então foi concebido dentro da mentalidade de Wilson de produzir um som incrementado e diferente de tudo que estava sendo feito à época. As sessões para gravar o disco contaram com o assustador número de mais de 60 músicos, fora os seis Beach Boys originais. Brian Wilson contava com uma orquestra completa ao seu alcance e uma infinidade de instrumentos pode ser ouvida dentre as pequenas jóias desse trabalho, dentre eles o exótico theremin elétrico.
Um dos principais motivos da incrível longevidade de Pet Sounds são os temas tratados em suas canções: por trás da roupagem sofisticada e colorida de todos os instrumentos presentes, as letras abordam assuntos universais a qualquer jovem, a dizer, a paixão, o amor, a traição, a decepção amorosa e, sobretudo, um senso de deslocamento em relação à sociedade vigente e seus valores, a inquietude e a vontade de fugir com a pessoa amada e não mais voltar, está tudo ali. São temas que continuam a reverberar na mente mesmo de jovens dessa geração tão diferente dos anos 1960. Ter essas letras cantadas nas sublimes harmonias vocais dos Beach Boys explica muito do sucesso desse trabalho. Como não poderia ser diferente, tal obra de arte merece uma resenha faixa-a-faixa. Vamos lá:

1. Wouldn't It Be Nice
Talvez a mais reconhecível das canções do disco, a faixa de abertura já apareceu em diversos filmes e seriados de TV. Seu riff de abertura tocado por uma guitarra de 12 cordas é uma das peças mais conhecidas dos Beach Boys, até por aqueles que não conhecem muito a banda. O tema da canção é bastante direto: "Não seria legal se fôssemos mais velhos e não tivéssemos que esperar tanto?". É o retrato de um jovem casal impaciente que não quer saber de mais nada, só de viver seu amor ingênuo e completo. Difícil ser mais puro e sincero do que as juras de amor nessa bela peça de música!

2. You Still Believe In Me
A introdução tocada por um harpsichord acompanhada pelo belo falsete de Brian Wilson traz uma canção mais melancólica, um assunto delicado: uma garota ainda acredita cegamente em seu amor, mesmo após todas as coisas ruins que este a fez. O amor não correspondido e o sofrimento são os temas centrais dessa música de cortar o coração. Detalhe: a buzina de bicicleta presente no finalzinho da música é uma das coisas mais emocionantes que já passaram pelos meus ouvidos.

3. That's Not Me
A primeira das canções a tratar do tema da sensação de deslocamento. "Eu queria mostrar o quão independente eu havia me tornado, mas esse não sou eu", um grito de sinceridade, uma forma de lutar contra o inevitável processo de envelhecimento. O medo que se tem ao descobrir que se está mudando e que talvez não seja hora ainda de assumir todas as responsabilidades que a vida adulta reserva.

4. Don't Talk (Put Your Head On My Shoulder)
Uma clássica canção de amor, a mais tranquila e lenta do disco. A sensação de conforto e tranquilidade que provoca o contato físico entre dois amantes, o amor ingênuo e puro, uma garota pousando sua cabeça no ombro de seu namorado, dois companheiros se ajudando na difícil tarefa de crescer.

5. I'm Waiting For The Day
A canção começa com uma batida enérgica no tímpano e se desenvolve com uma linda melodia vocal acompanhada por um órgão. Mais tarde entram as harmonias vocais embasbacantes e precisas, um solo de flauta, é tanta coisa acontecendo que descrever é um esforço gigantesco. O assunto aqui é a tentativa de aproximação com uma pessoa que perdeu sua fé no amor momentaneamente por alguma desilusão passada. "Estou esperando o dia quando você poderá amar de novo" é uma prova de paciência e romantismo, uma linda música.

6. Let's Go Away For A While
Um instrumental, algo não muito comum de se encontrar em um disco pop, uma canção com uma atmosfera relaxada, um xilofone dominando o cenário, a mensagem está no próprio título da música, "vamos embora por um tempo" em busca da paz interior.

7. Sloop John B
Aqui temos uma música folk tradicional do Caribe rearranjada por Brian Wilson e Al Jardine. É mais uma canção bastante reconhecível da banda, um conto de um marinheiro que acaba fazendo uma terrível viagem de barco e passa o tempo inteiro querendo regressar a sua casa. A maestria das harmonias vocais de Brian Wilson e Mike Love nem deixam transparecer o caráter lamentador da canção, dando a ela um ar mais esperançoso. Uma linda canção sobre uma péssima viagem.

8. God Only Knows
Ah sim, sempre deve haver uma queridinha, e aqui está ela. A canção que figura no topo da lista de canções preferidas de Sir Paul McCartney e minha favorita de todas. Uma das primeiras peças de música pop dos anos 1960 a usar o nome Deus em seu título, essa canção condensa tudo o que há de mais sublime nos Beach Boys: um arranjo orquestral maravilhosamente executado, uma linha de voz altamente contagiante e sentimental cantada por Carl Wilson e harmonizações vocais impossíveis de descrever. Com letras como "eu posso não te amar para sempre, mas enquanto houver estrelas acima de você, você não precisa duvidar disso, eu vou fazer com que você tenha certeza disso, só Deus sabe o que eu seria sem você", não é difícil pensar que o auge do liricismo já foi atingido e é inútil tentar superar essa proeza. Se tem algo que eu sei, é que eu poderia ouvir os últimos 50 segundos dessa música em um loop infinito até o final de meus dias e não enjoaria nem um pouquinho. É o poder da música personificado em 2 minutos e 51 segundos, a perfeição.

9. I Know There's An Answer
Um ritmo contagiante marca essa canção e um refrão emocionante mostram uma filosofia mais individualista, marca dos americanos. "Eu sei que há uma resposta, eu sei agora, mas eu tive que descobrir por conta própria" é um convite à auto-exploração.

10. Here Today
Mais uma reflexão sobre o amor, dessa vez mais analítica, questionando tudo de bom e de ruim que pode trazer um relacionamento amoroso. Wilson parece dar conselhos, dizendo que no começo as coisas são sempre lindas, mas é bom tomar cuidado pois tudo isso pode trazer muita dor e tristeza no futuro. O pensamento se resume no refrão "Você tem que manter em mente, o amor está aqui, hoje ele se foi, amanhã ele está aqui e foi embora tão rápido", um sentimento que viaja verdadeiramente acima da velocidade da luz.

11. I Just Wasn't Made For These Times
A declaração descarada de incompatibilidade com os tempos em que o eu lírico habita. "Acho que eu simplesmente não fui feito para esses tempos" é algo que certamente muitos jovens já disseram e repetiram nesse mundo desde que essa música foi escrita e até antes disso. A incapacidade de assimilar tantas mudanças provocam tristeza, confusão e causam uma vontade enorme de retornar a tempos mais simples e o passado é certamente uma terra atraente para os nostálgicos, assim como o futuro o é para os sonhadores. Brian Wilson está aqui, de certa forma, atestando sua genialidade ao escrever e compor obras de arte tão à frente de seu tempo.

12. Pet Sounds
O segundo instrumental do disco é uma pequena e estranha peça de música. Uma guitarra de timbre curioso desfila solos por cima de uma percussão simples com pandeiros e reco-recos. A melodia é cativante e possui uma aura tão exótica, sendo para mim a maior música psicodélica de elevador da história humana.

13. Caroline, No
A canção de encerramento de Pet Sounds é uma belíssima canção feita, bem, para uma mulher. Caroline foi uma garota que certamente magoou bastante o eu lírico da música. "Oh Caroline, você quebra o meu coração, eu quero ir e chorar, é tão triste assistir a uma coisa doce morrer" é cantado em um emotivo falsete por Brian Wilson. Uma canção triste, o arquétipo da decepção amorosa, a tristeza e a dificuldade em aceitar a rejeição após tantos bons momentos, todos temas que tenho certeza que já ocorreram com muitas pessoas nesse nosso mundo.


O legado de Pet Sounds é inegável. Também não é exagero nada do que foi escrito aqui acima, exceto talvez por uma ou outra considerações pessoais minhas, mas, ei, é o que nos faz especiais! Não preciso provar nenhum argumento com esse maravilhoso disco, apenas sei que é uma delícia poder compartilhar o amor que tenho a ele com vocês. Tive a honra e o imenso prazer de presenciar os Beach Boys ao vivo em São Paulo no dia 2 de dezembro de 2009 em sua primeira apresentação em terras tupiniquins e, devo dizer, ouvir essas joias ao vivo executadas por seus criadores foi uma sensação única que guardo com carinho em meu coração até hoje. No final do dia, o que importa mesmo é o que você deixa para trás e uma vida bem vivida é uma vida que tenha tido contato com Pet Sounds. Um conjunto de músicas que é obrigatório a todos os amantes da boa música lançadas há 47 anos e que não envelheceram nem um segundo desde então. Isso, meus amigos, é a imortalidade da arte.
Boa escutada! (é só clicar nos títulos das músicas)


Aquele abraço,
Fazendeiro submarino

domingo, 3 de março de 2013

The National - High Violet



















Título: High Violet
Artista: The National
Ano de lançamento: 2010 
Gênero: Indie Rock
Duração: 47:40



Tracklist:


1. Terrible Love (4:39)
2. Sorrow (3:25)
3. Anyone's Ghost (2:54)
4. Little Faith (4:36)
5. Afraid of Everyone (4:19)
6. Bloodbuzz Ohio (4:36)
7. Lemonworld (3:23)
8. Runaway (5:33)
9. Conversation 16 (4:18)
10. England (5:40)
11. Vanderlyle Crybaby Geeks (4:12)



É um fazendeiro submarino muito emocionado que vos escreve agora. Acontece que acabo de redescobrir esse maravilhoso disco do The National (que não é lá tão antigo, veja!) e senti que precisava escrever uma resenha dele. Confesso que não sou o maior conoisseur da referida banda, mas me lembro como se fosse ontem o dia em que me apaixonei pelo som dos caras. Numa rara e bela combinação de acaso e sorte, deparei com o clipe da música Bloodbuzz Ohio no Youtube. Digo que foi raro pois eu dificilmente me encontro fuçando clipes no Youtube, não tenho a devida paciência. Mas nesse caso, os vocais graves de Matt Berninger me atingiram em cheio, assim como as letras da música e a bela cinematografia do clipe. Resolvi ir atrás, obviamente, e descolei o disco High Violet, o qual, acabei descobrindo, era altamente louvado pela crítica especializada. Percebi que era o tipo de som que valia a pena prestar atenção, que havia mais ali do que o "mais do mesmo" das milhares bandas indies que proliferam hoje em dia e a constatação, em suma, é: High Violet é um belo disco.
Já adianto que o tom das canções é melancólico. E tratam quase que sempre de relacionamentos problemáticos. Ponto. Passado isso, aquele que está pronto para mergulhar no mundo triste de Matt Berninger encontrará lindas melodias e letras bastante fáceis de se identificar, sem que isso as faça perder sua poesia inerente. O som do The National apresenta uma melancolia bastante discernível e não é difícil se surpreender com o fato de que os caras não são ingleses. Digo isso pois há uma qualidade tão grande em seus arranjos, trazendo uma tristeza cortante para o campo familiar da música popular, que se esperaria dos grande ícones ingleses como The Smiths ou Joy Division (a associação com a profunda voz de Ian Curtis é óbvia). Mas não se engane, a sonoridade do grupo não tem absolutamente nada a ver com os anos 1980, há elementos mais soturnos do britpop, elementos folk, muito da batida acelerada do indie rock, mas se destaca o sempre presente arranjo de cordas (e, ocasionalmente, de metais), que dá às músicas uma qualidade mais profunda, etérea, entregando mais claramente a mensagem das letras. Leia-se, você não é proibido de dançar ao som dessas canções, mas esteja ciente das histórias que elas trazem, celebre sua tristeza!
High Violet se beneficia muito da ótima performance dos músicos, especialmente em termos de percussão. A bateria ao longo do álbum é decisiva em manter as músicas altamente interessantes, contagiantes mas sem demonstrar que o foco é a percussão. Violões e guitarras são precisos quando devem, experimentais quando querem e melódicos no geral. O resultado é uma combinação infalível de canções que agradam tanto ao cérebro quanto o coração. Além da acima citada Bloodbuzz Ohio, recomendo fortemente as seguintes canções: Sorrow, Anyone's Ghost, Conversation 16, England e Vanderlyle Crybaby GeeksSão todas canções permeadas de letras emotivas sem deixar de serem inteligentes, um imaginário vivo e metáforas interessantíssimas, verdadeiramente poéticas.
De maneira geral, minha dica fica colocada: em uma tarde fria qualquer, prepare um chá, fique em casa e ouça esse disco. Talvez você se surpreenda com a sinceridade artística contida nele e em suas letras. Talvez você se apegue emocionalmente a alguma de suas melodias, talvez você leia as letras e se lembre de algum relacionamento que falhou, enfim, talvez você se dê conta no momento em que estiver berrando a plenos pulmões "Vanderlyle, crybaby cry, though the water's a-rising, there's still no surprising you, Vanderlyle crybaby cry, man it's all been forgiven, the swans are a-swimmin', I'll explain everything to the geeks" repetidamente, que esse é um belo disco, digno de ser incluso em qualquer coleção de um amante da música do século XXI. Tenha uma boa experiência!


Aquele abraço,
Fazendeiro submarino

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Atoms for Peace - AMOK

Título: AMOK
Artista: Atoms for Peace
Ano de lançamento: 2013
Gênero: Rock alternativo/experimental/eletrônico
Duração: 44:35


Tracklist:


1. Before Your Very Eyes... (5:47)
2. Default (5:15)
3. Ingenue (4:30)
4. Dropped (4:57)
5. Unless (4:40)
6. Stuck Together Pieces (5:28)
7. Judge, Jury and Executioner (3:28)
8. Reverse Running (5:06)
9. Amok (5:24)


Resolvi dar uma variada e escrever uma resenha de um álbum novinho em folha, caso haja algum leitor antenado, moderno e descolado por aqui!
Nesse caso, o álbum é AMOK, do recém-criado "supergrupo" do vocalista do Radiohead, Thom Yorke. O nome do grupo é Atoms for Peace e a origem de seu nome é de um discurso do Presidente americano Dwight Eisenhower em 1953 à Assembleia Geral das Nações Unidas, proclamando o início de uma "era nuclear", na qual se buscaria a paz nesses termos.
Yorke reuniu nesse grupo o baixista do Red Hot Chilli Peppers, Flea, Nigel Godrich, produtor de longa data do Radiohead, Mauro Refosco, um percussionista brasileiro e Joey Wronker nas baquetas.
Aqueles não acostumados com os sons criados pelo frontman do Radiohead certamente irão estranhar esse denso disco. As músicas seguem o minimalismo pelo qual é conhecido o trabalho solo de Thom Yorke. Em 2006, ele lançara The Eraser, seu primeiro disco solo, uma coleção de músicas com forte influência eletrônica em suas batidas e grooves e a presença esparsa de uma linha de guitarra muito próxima ao que se ouviria em algum disco do Radiohead. O tempo passou e Yorke decidiu que formaria uma banda para tocar ao vivo as músicas que havia escrito até então. O Atoms for Peace chegou a tocar em seus show a música Lotus Flower, que acabou sendo lançada no último disco do Radiohead, The King of Limbs, em 2011.
Este, porém, é o primeiro trabalho "coletivo" do grupo, com os músicos recriando as músicas eletrônicas que Yorke havia composto. O resultado é uma linha tênue entre a música física, concreta e tocada por instrumentos e a música eletrônica, computadorizada, programada. Aqui o espaço é bem limitado e cada instrumento sabe o que está fazendo, de maneira repetitiva, o que talvez decepcione o ouvido mais sedento por diversidade ou extrapolação de criatividade. É, de fato, uma espécie de som único, os vocais em falseto banhados em reverb passeando sobre sintetizadores e linhas de baixo cheias de grooves e precisão. As letras ininteligíveis de Yorke são um bônus à parte: os acostumados a esse fato já nem ligam tanto, apenas correm para ler o encarte do disco. Mas certamente as letras não são o centro das atenções nesse trabalho, as canções são um convite à abstração em suas atmosferas espaciais e, por vezes, bastante dançantes.
Thom Yorke está na altura de sua carreira em que não precisa dar satisfações sobre seus projetos e sabe que conta com uma base de fãs fidelíssima. Tão confiante é o cantor/compositor que se dá o luxo de lançar um clipe como esse (mesmos diretores de coreografia do clipe de Lotus Flower, por sinal). Eu, pessoalmente, aprecio imensamente o senso de Yorke de "dançar como se ninguém estivesse olhando", um fato considerável para uma figura tão popular e chamativa como ele.
As músicas que consigo destacar são, primeiramente, os dois singles, Default e Judge, Jury and Executioner. As belas melodias na primeira música remetem ao trabalho de Yorke no Radiohead e o ritmo hipnotizante da segunda proporciona aquela familiar sensação de claustrofobia que as canções solo de Yorke geralmente provocam. Ingenue, que teve seu clipe aqui supracitado, traz um riff de sintetizador repetitivo e viciante e é outra recomendação de minha parte.

Em suma, AMOK, parece ser um disco polarizador: ou se gosta ou não se suporta. Meu interesse pelo trabalho de Thom Yorke vem de longa data, já que sou fã de carteirinha do Radiohead e respeito enormemente todos os músicos do grupo, logo é um disco que "desceu fácil" para mim. Não sei se esse álbum trará muitos fãs novos, mas certamente agradou a fãs antigos e sua peculiaridade é uma grande adição aos discos lançados até agora este ano. Que tal experimentar esse experimentalismo?


Aquele abraço,
Fazendeiro submarino

sábado, 16 de fevereiro de 2013

Neil Young - Prairie Wind


















 Título: Prairie Wind
 Artista: Neil Young
 Ano de lançamento: 2005 
 País: Canadá
 Gênero: Country rock / Folk rock
 Duração: 52:05


Tracklist:


1. The Painter (4:36)
2. No Wonder (5:45)
3. Falling Off the Face of the Earth (3:35)
4. Far From Home (3:47)
5. It's A Dream (6:31)
6. Prairie Wind (7:34)
7. Here for You (4:32)
8. This Old  Guitar (5:32)
9. He Was The King (6:08)
10. When God Made Me (4:05)


Hoje é dia de falar sobre Neil Young!
Esse lendário músico canadense sinceramente dispensa quaisquer apresentações. Desde meados dos anos 1960, Neil Young é uma presença constante no mundo da música, tendo, ao longo dos anos, transitado com sucesso entre o folk, o country, o rock de arena e até a música eletrônica. Young é um artista irrequieto, sendo o líder da banda Crazy Horse e tendo feito um álbum em parceria com o Pearl Jam. Os que são familiarizados com o músico, sabem que este não dá a mínima para o que os outros dizem sobre seu trabalho. Ele apenas o faz de coração, e daí surgem diversos sentimentos como raiva, angústia, nostalgia, crítica, romance, entre outros.
Em Prairie Wind (2005), vemos um Neil Young já mais velho e nostálgico. Seu último álbum de estúdio havia sido Greendale, uma ópera-rock e uma série de eventos levou à concepção do álbum sobre o qual aqui escrevo. Neil havia recentemente perdido seu pai, Scott Young que, em seus últimos anos, sofrera com demência. Scott Young fora um famoso escritor canadense e o agravamento de sua sáude mental afetara fortemente seu filho Neil. Para completar, o músico descobrira que havia um aneurisma em seu cérebro e que uma cirurgia seria necessária. Foi aí que teve a ideia de juntar as malas e ir para Nashville, Tennessee, para gravar um álbum acústico. É sabido que Nashville é considerada a Meca da música country nos Estados Unidos, e Neil se cercou dos seus melhores amigos músicos para produzir um álbum digno da cidade em que pisava. Os temas abordados nesse álbum giram, inevitavelmente, ao redor da figura do pai de Neil e da percepção do músico de sua própria mortalidade. As letras revelam um toque de amargura e nostalgia nas palavras de Young. Em The Painter, ouvem-se as palavras "If you follow every dream, you might get lost" ("Se você seguir todos os sonhos, você pode se perder"). Contudo, a instrumentação em Prairie Wind é simplesmente deliciosa. Violões de aço são acompanhados por uma percussão simples e vira-e-mexe entra em cena o maravilhoso pedal steel de Ben Keith, dando um toque country irresistivelmente confortável.
Neste álbum, Neil Young resgata seus sons mais simplórios que ganharam notoriedade em álbuns premiados como Harvest (1972) e After the Goldrush (1973). A veia country é explícita e Neil utiliza afinações em Ré para produzir canções simples, porém cheias de sentimento. A forte aversão de Young pela "era Bush" dos Estados Unidos se torna evidente em alguns momentos do álbum, mas o tema principal gira em torno do Canadá e suas pradarias ("prairies"). Em Far From Home, o músico demonstra seu desejo de ser enterrado em sua terra natal, onde "os búfalos pastam na pradaria e os gansos canadenses preenchem o céu". Uma das músicas mais frágeis e explicitamente dedicadas ao pai de Neil é Falling Off the Face of The Earth, uma canção singela de cortar o coração. Na faixa-título do álbum, o country cede um pouco de espaço ao folk rock, com a gaita tão famosa de Neil Young solando aqui e ali, acompanhada por um conjunto de metais. As notórias melodias vocais que se tornaram marca registrada do artista são beneficiadas pela beleza das vozes da convidada Emmylou Harris e a esposa de Neil, Pegi Young.
Minha canção queridinha desse disco é a quase clichê Here for You. Nos dois primeiros segundos da música, já se sabe que se trata de uma música de Neil Young. O violão de aço acompanhado pela gaita e pelo steel pedal evocam dias mais simples (os quais nem vivi, leia-se), uma atmosfera bucólica do interior norte-americano. A letra romântica não perde nem um pingo de seu charme devido a sua obviedade, sendo essa um ponto a mais. A canção se beneficia também de belas orquestrações de cordas em seu interlúdio até voltar a um solo saudoso de gaita de Young. É um convite sincero à não-reflexão, a uma bela espreguiçada e à admiração de uma atmosfera de pura beleza e paz.
Neil faz duas homenagens em especial nesse disco. A primeira é a um de seus violões, que já pertencera a Willie Nelson, na calma canção This Old Guitar. A segunda é uma homenagem descarada a Elvis Presley, na canção He Was The King: Neil canta "The last time I saw Elvis, he was riding a pink Cadiilac" ("A última vez que eu vi Elvis, ele estava dirigindo um Cadillac rosa") e muitas outras memórias são compartilhadas ao longo da canção.
A canção de encerramento de Prairie Wind é When God Made Me. Aqui, ouvimos Neil ao piano, altamente reflexivo, numa música que pode ser rotulada como gospel sem medo algum. Um coro acompanha o músico nos refrões, enquanto os versos questionam a benevolência ou mesmo a consciência de Deus. Neil traz um questionamento ao Criador sem negar sua existência, em uma mensagem de reconciliação consigo mesmo. Tal canção encerra de forma digníssima o disco, de certa forma o resumindo os pensamentos do artista e os direcionando na forma de perguntas a Deus.

Aqueles que nunca tiveram a oportunidade de experimentar a beleza da música country tradicional têm meu sincero conselho de ouvirem esse disco, assim como os clássicos Harvest e After The Goldrush. Neil Young é um artista que pode não ser unânime, mas certamente não pode ser ignorado. Qualquer músico que produza um disco resgatando uma sonoridade com 40 anos de idade e que consiga fazê-la fresca e convidativa merece atenção e respeito. As atmosferas que permeiam Prairie Wind o fazem um de meus "discos para uma ilha deserta" e não há motivos para um amante de boa música não apreciá-lo.


Aquele abraço,
Fazendeiro submarino