segunda-feira, 18 de março de 2013

Rush - Vapor Trails



















Título: Vapor Trails
Artista: Rush
Ano de lançamento: 2002
Gênero: Rock progressivo / Hard Rock
Duração: 67:15


Tracklist:


1. One Little Victory (5:08)
2. Ceiling Unlimited (5:28)
3. Ghost Rider (5:41)
4. Peaceable Kingdom (5:23)
5. The Stars Look Down (4:28)
6. How It Is (4:05)
7. Vapor Trail (4:57)
8. Secret Touch (6:34)
9. Earthshine (5:38)
10. Sweet Miracle (3:40)
11. Nocturne (4:49)
12. Freeze (Part IV of "Fear") (6:21)
13. Out Of The Cradle (5:03)



Vapor Trails, ou o disco que magistralmente transformou angústia em arte


Lá por 2002, os fãs do Rush já estavam se considerando viúvos. O jejum da banda estava em seu quinto ano e parecia não mais acabar. Foi aí que o trio canadense entregou ao mundo uma de suas obras mais belas.
Em 1997, duas calamidades acometeram a vida do baterista virtuose e letrista Neil Peart. Com o falecimento de sua única filha (vítima de um acidente de carro) e, subsequentemente de sua esposa (vítima de câncer), Peart viu sua vida inteira desabar. Entrou então em modo sabático e fugiu pelo mundo em sua motocicleta. O Rush, neste momento, deixou de existir e nada mais se falou sobre a banda.
Foi então com a alegria de uma criança que descobre que seus pais moribundos haviam sido completamente curados que os fãs do Rush receberam Vapor Trails, em maio de 2002. A banda apresentou seu mais longo disco então, com 13 faixas estonteantes. Cada faixa foi visivelmente super trabalhada e há detalhes que só se descobrem na centésima ouvida. Dentro da discografia do Rush pode-se dizer que Vapor Trails possui as letras mais pessoais que Neil Peart já escreveu. E são justamente elas que conferem a este trabalho muita vezes subestimado seu status de obra prima. Como se trata de Rush, menosprezar a parte instrumental é obviamente um sacrilégio, logo esta tem tanta importância quanto as letras que as acompanham.

Vê-se aqui o Rush em seus extremos, num ambiente cuidadosamente controlado. A bateria de Peart esbanja uma energia e paixão sem precedentes na história da banda. Alex Lifeson recheia o disco com dezenas de overdubs de guitarra que dão às músicas um peso impressionante e uma orquestração indispensável. Por fim, Geddy Lee apresenta um alcance vocal admirável e seu status de baixista mítico o procede: as linhas de baixo pontuam as canções com acordes melódicos, grooves e muito peso.
Se o ouvinte deseja esclarecer a algum(a) amigo(a) cético(a) a merecida reputação de Neil Peart como um dos melhores bateristas de todos os tempos, basta colocar para tocar a primeira faixa de Vapor Trails, One Little Victory: um ritmo furioso, rápido e complexo invade imediatamente seus ouvidos e já se percebe que o velho Peart não está para brincadeira. Um riff de guitarra pesadíssimo leva a canção adiante e o verso traz um ritmo cheio de groove e o refrão explode: "The greatest act can be one little victory".

O sentimento de superação e renovação está presente em todo o disco. É impossível aproveitar tudo o que este trabalho tem a oferecer sem ter em mente o background histórico de sua criação. É necessário fazer um exercício metafórico com o conceito da fênix: o Rush é aqui uma banda que renasce das cinzas. Não é mera coincidência o título do álbum explicitar "trilhas de vapor" e a capa ser uma enorme bola de fogo. É um atestado de que a banda havia de fato renascido em uma explosão de fogo e a intenção era não ser parada facilmente.

Outro fato interessante é o papel que as cartas do Tarô possuem no álbum. Dentro do encarte, cada música está associada com uma carta do baralho esotérico. Peart é conhecido por seu ceticismo, mas a combinação do simbolismo das cartas com as letras apresenta um resultado maravilhoso. Em Peaceable Kingdom, Peart contrapõe umas cartas com as outras: "The Hermit against The Lovers or The Devil against the Fool".

Os temas aqui são explicitamente humanos, uma espécie de auto-ajuda sem qualquer das características pejorativas que esse gênero carrega. Em Ceiling Unlimited se trata da sensação de insaciedade, de ir constantemente atrás de algo melhor, de ser melhor, de não ver limites. Ghost Rider apresenta um conto autobiográfico de Peart, sendo ele o "motoqueiro fantasma", cruzando milhas e milhas na América do Norte fugindo de um passado negro, em direção a um futuro negro. The Stars Look Down alerta para a morosidade que nos toma quando questionamos aos céus a nossa triste condição. Afinal, as estrelas apenas olham para baixo e não interferem e cabe a nós mesmos lidarmos com nossos problemas. How It Is, uma das mais belas músicas que já ouvi, aborda o senso de possibilidade que existe mesmo nos dias mais cinzentos. Uma espécie de conformismo melancólico faz dessa canção de cortar o coração um dos pontos altos do disco: "You can't tell yourself not to care, you can't tell yourself how to feel, that's how it is. Another cloudy day.". Vapor Trail é uma poderosíssima canção sobre como às vezes somos levantados do chão por eventos catastróficos em nossas vidas e nossa constante luta em não desaparecer dentre essas dificuldades. Secret Touch traz a importância do amor no processo de cura. A melhor descrição da música é seu refrão: "You can never break the chain, there is never love without pain. A gentle hand, a secret touch on the heart".

A segunda metade do disco aborda temas como um fenômeno natural conhecido como Earthshine (Earthshine), milagres (Sweet Miracle), sonhos e seu poder de controle do subconsciente (Nocturne), os efeitos do medo em nós (Freeze) e o senso de inquietação do ser humano desde seu nascimento (Out of the Cradle).

Em suma, Vapor Trails é tudo aquilo que mais aprecio em uma obra de arte: inquietante, belo, direto, extravasante, sincero. A única reclamação válida aqui é a má produção sonora do disco, com uma masterização muito deficiente, deixando todos os canais muito altos e estourados, às vezes criando tamanha confusão sonora que pode causar certa dor de cabeça. Mas o ouvinte preparado e disposto a dar algumas ouvidas nesse belo disco não se arrependerá nem um pouco. Porque aqui está a alquimia sagrada do Trio Canadense transformando angústia em arte. E, nas últimas palavras de Out of The Cradle, o Rush deixa de forma muito simples seu legado e sua missão nesse mundo: ENDLESSLY ROCKING.



Aquele abraço,
Fazendeiro submarino

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